O dilema humano



Não há um fator determinante para julgar o certo e o errado. Não faz sentido julgar fazendo uso da ética aristotélica, isto é, julgar a situação não mediante a um fator único e pré-estabelecido, mas sim considerando o contexto em que se está inserido, isto é, a moral em que se está inserido. Ora, não há um fator determinante para agir mediante a isto, também. Se minha vontade não condisser com a moral do contexto, terei um problema. Embora a vontade não tenha um fator determinante, também.
Para desconstruir a tese de que se deve agir de acordo com a vontade – pois a de que se deve agir de acordo com a moral é ridícula e não merece atenção, qualquer um que tenha lido alguma obra de Nietzsche, aliás, que tenha compreendido alguma obra de Nietzsche, sabe disto -, precisaremos explicitar o que é a vontade.
Fazendo uso de uma ótica evolucionista, temos a vontade como um mecanismo determinante da ação de um complexo de matéria orgânica, e é esta que irá fazer com que o organismo execute a sua função. Portanto, a vontade surge como um mecanismo ”robotizante” da função de complexos orgânicos. A vontade é uma ferramenta espetacular para garantir que determinada espécie prossiga com a função adequada que garanta sua sobrevivência e progressão no ecossistema. O homo sapiens possui capacidade de analisar, prever e imaginar relações de causa e efeito, nisto, ele encontra-se apto a buscar as razões da vontade. O homo sapiens possui capacidade de imaginar e idealizar, nisto ele encontra em seus devaneios coisas que empobrecem sua relação com o mundo físico, isto é, o mundo físico comparado às suas projeções de algo ideal torna-se matéria fecal. Através do próprio sentimento que impulsiona a busca pelo bem estar individual, o indivíduo desta espécie vê-se desejando que o mundo fictício de seus devaneios sobreponha o mundo físico.  Contudo, sua capacidade de estabelecer relações de causa e efeito não permite que ele simplesmente passe a acreditar que tal mundo fictício seja real, então ele passa a procurar algum resquício de sentido lógico para fundamentar a existência de seu mundo ideal. Por vezes, a crença na existência deste mundo ideal faz o indivíduo humano negar as vontades do corpo, que outrora foram o fator determinante de sua ação, permitindo que exista apenas uma vontade: A de que tal mundo ilusório fosse real. Isto leva o indivíduo à fossa do idealismo ascético. Mas, falávamos sobre a fundamentação da vontade, certo? O indivíduo racional, portanto, pode fazer com que seus ideais e imaginações sobreponham todas as vontades, com exceção de uma, a vontade de que o mundo fictício seja real e frente a esta vontade, faz curvar todas as outras. Que animal estranho este que ousa interromper o processo determinante evolucionista em prol de crenças imaginárias! Qualquer verme sabe que ideais ascéticos são uma apologia à morte e a ausência de reprodução e, portanto, uma estrada para a extinção. Assim, todas as religiões tornam-se doenças prejudiciais para o bem estar da espécie humana, uma falha evolutiva que o tempo se encarregará de eliminar. Podemos provar historicamente que religiões são a principal motivação de guerras e, consequentemente, mortes. Por vezes direta ou indiretamente. Há períodos em que fora utilizada como ferramenta do estado para justificar a guerra. Ora, em que se apoiaria um governante para justificar um massacre “santo” se não pudesse utilizar da crença irracional? Afinal, a crença irracional justifica tudo para uma população de aberrações ignorantes. Talvez a espécie humana não se encontrasse em declínio, rumo à autodestruição se nunca tivessem permitido que o desejo pela imaginação substituísse o mecanismo natural de ação, o instinto.
Através do uso da noção de causa e efeito, concluímos que a vontade é um mecanismo determinante e através do processo imaginativo podemos substituí-lo. Há um dilema, portanto. Deixaremos que nossa vontade nos guie ou elegeremos uma imaginação para que seja determinante de nossa ação? Ambos impossíveis, desculpem-me! Por vezes surgirá um indivíduo que irá preferir um e não outro, aí surgirão os conflitos e guerras sangrentas. Temos aqui a origem de todo conflito humano com a sua própria espécie, o dilema razão e instinto. Conciliar ambos? Não seja burro! Querendo ou não, a vontade algumas vezes não irá condizer com a razão e vice-versa, sendo isto motivo de frustração para o indivíduo humano. Queremos aqui encontrar um fator verdadeiro e útil, em que se resume toda a história da filosofia? Conciliar seria, por vezes, ficar frustrado em função de um e por vezes em função de outro.
Em hierarquia, a razão vem depois, surge como uma ferramenta para melhorar o desempenho da vontade. Contudo, através dela surge a necessidade de fundamentar a vontade – até a vontade – através de uma relação de causa e efeito. Descobrimos, após um longo período de reflexão, que não há um fator que fundamente a vontade, e tão pouco as crenças. Como poderemos agir, então, se necessitamos de um fundamento, mas entendemos que não há? Niilismo! Ou talvez não. Se deixarmos de agir por entendermos que a verdade é que não há nenhum sentido na ação, o niilismo se tornaria um ideal ascético que priva a vontade natural do corpo em função da verdade. E, se fizéssemos tal coisa, estaríamos partindo do pressuposto que o niilismo é a posição ideal, o que é um princípio moral. Não há como não agir. Tudo é vontade de poder. Para deixar de agir, a coisa teria que se tornar atemporal, o problema é que um fator fundamental para algo existir é a temporalidade. Logo, devemos entender o niilismo como a ciência da ausência de sentido e não da não ação em função da ausência de sentido.
Sendo impossível deixar de agir e impossível não procurarmos um fator fundante para a ação, em virtude da nossa carga evolutiva e entendendo que não há um fator determinante da ação – embora seja impossível para nós pararmos de buscar um - não posso dizer “foda-se, vamos aderir uma crença qualquer então” e nem “vamos eliminar todas as crenças, pois isto tornará o mundo melhor” já que ambas as coisas seriam moralizar. Suspendo meu julgamento. Não sei de nada.
O ser humano é um mecanismo orgânico que se caracteriza por este dilema, sua história é triste e cheia de frustrações (aos olhos da moral-pré-estabelecida).

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